quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sob o olhar forasteiro, acessível a todas as impressões sem partido preconcebido

Reunião Núcleo Coletivo de Teatro de Suzano.
Pontuação de lances (24.08.09, a partir das 20h – início 18h30)


Ego e Política:
Pareceu-me haver uma contradição em relação a este assunto dissipado pelo próprio grupo. Porque se há uma postura política – e isto eu percebi bastante clara até pelos termos correntes e temas das “propostas” e “encaminhamentos”, ou pela maneira como está organizado o grupo, isto é, uma chance rara de se reunir companhias de teatro de uma cidade inteira, gerando uma potência enorme para ação junto ao governo administrativo e mobilização da produção teatral em Suzano, favorecendo e abrangendo, inclusive, outras regiões – e se houve, ao mesmo tempo, uma disputa de egos, alguém não deveria estar sendo acusado, atacado, cassado, rechaçado? Eu não vi isso. Não me parece haver egos inchados e inflamados portanto, pelo contrário, há alguns ainda bastante retraídos e que podem expandir-se mais. De qualquer forma, ouvi, e, na verdade, não pela primeira vez, que toda relação que faz sentido envolve poder. E poder, sem dúvida, é algo que se conquista e se disputa. E, não, algo imposto autoritariamente, absolutamente por um ditador centralizador. Somos contra fascismos, nazismos e totalitarismos de qualquer espécie – ponto comum. Essas questões, pela dignidade do ser, parecem ter bases bastante sólidas e já se tornarem senso no mundo de hoje, pelo menos em meios como o nosso. Assim, o nome já diz, e nós podemos ouvir: Coletivo. Ao mesmo tempo, está mitologicamente comprovado, que gostamos de reconhecer a competência, o ser competente, heróis que passam por uma jornada e que têm um trajeto em que disputam ou enfrentam uma competição.

O Amador e o Profissional:
Há uma linha muito inexata que divide essas duas vocações, mas que ao meu ver não deve separá-las. No uso cotidiano, “profissional” é aquele que faz bem (desempenho profissional), ou então, trata-se de um “profissional de m...”. E o amador, o que está sempre querendo fazer melhor, pois, afinal, ele faz por amor, quer dar o melhor de si. Nesse caso, há continuidade entre o amador e o profissional. O amador quer ser profissional, ou seja, quer fazer bem. E o profissional, não indiferente a ele, quer inseri-lo, pois deve querer agregar todo esse povo vocativo em torno da profissão e torná-los íntegros com o que fazem.
O profissional de teatro sabe exatamente o que é fazer por inteiro. Para ele, estar integralmente, não depende só do amor-próprio, não; depende mais, depende do outro, do amor do outro. O profissional já teve o tempo para perceber que não se desenvolve nada sozinho. É por isso que ele é político. Porque como um “amador”, profissional, o que ele mais quer é exercer sua profissão. E para isso ele precisa estar no meio, estar envolvido. Precisa que o outro venha lhe falar sobre o trabalho que está desenvolvendo, sobre a política cultural que gerou, sobre os editais que estão abertos, os canais e redes de atuação, às vezes, os mais privados, formas de captação de verba, viabilizações de projetos, etc.
Por fim, o profissional não difere do amador porque faz aquilo “por trabalho”, “por dinheiro” e, muito menos, “para sobreviver”. Primeiro, porque ninguém deseja o trabalho, “ter trabalho” para realizar as coisas, ou seja, preferiríamos encontrar nosso alimento já plantado e colhido para nós e nosso bem estar em abundância, mas infelizmente temos que batalhar para isso. Segundo, porque o amador também tem muito trabalho para fazer aquilo que faz. Todos trabalham. Para fazer qualquer coisa temos o trabalho. Trabalho é vida, não é morte. A gente só morre com o trabalho alienado. Portanto, o direito a profissão deve a ser defendido pela inclusão e mobilização de todos. Amadores não estão isentos de participar e se integrarem.

Lugar e Espaço Teatral:
Discordo de quem deseja buscar a propriedade do espaço para fazer teatro. Falo por mim mesmo, que quem quer isso vai sentir uma grande dificuldade, porque não vai ter o apoio. Vai correr com a desculpa de que não tem lugar para trabalhar. Sei o quanto é difícil enfrentar essa dificuldade. Já participei de um Projeto do Fomento sem endereço fixo, sendo que a própria lei exige que a companhia tenha sede própria. Com o mesmo coordenador, participei de uma Oficina de Formação de Atores: ‘Lugar da luta Vs. Luta pelo lugar’. É um assunto que muito me interessa, pois há muito espaço para se fazer teatro. O foco de cada grupo deveria ser ocupar esses espaços com teatro. E, não, ocupar(?) um lugar todinho seu(?) [ Como assim, ocupar o que já é seu, se você já está nele? O próprio ator não luta no palco para preencher com sua presença e dar conta de todo espaço?].
Há ainda tantos galpões abandonados, teatros parados em reforma, espaços interditados, lugares mal ocupados. Cada caso é um caso e deve ser analisado com peculiaridade, mas na maioria deles o grande responsável por essas mortes e abandonos de espaços são ofícios burocráticos de leis, às vezes, até mesmo incompreensíveis, inviabilizando projetos e tornando ações públicas demoradas. Há para isso, um grande profissional responsável, os ‘contadores’, verdadeiros mestres de cerimônias. Falo do Produtor e do Gestor Cultural. Assim como uma grande empresa tem o seu advogado, às vezes, diplomata ou embaixador, o teatro tem esse grande Narrador que leva a companhia para as assembléias públicas e fóruns de debate.
Assim, ao invés de se preocupar em tomar o seu lugar, cada companhia pode tomar uma posição (política e ética), escolher o lugar (dando preferência pública) e responder aos motivos que impedem dela fazer teatro ali. Tenho certeza que um grupo deste porte (falo do Coletivo Suzano) iria engrandecer discutindo e resolvendo questões como esta, tomadas por suas prioridades (tanto éticas como políticas: “continuidade da pesquisa, coerência, organicidade em relação à comunidade, contrapartida social”, etc.).
Não quero, de jeito algum, parecer arrogante, senão não lhes voltaria a palavra, mas já levantei espetáculo para escolas de dentro da minha sala de casa (3mX2m). Quem quer fazer realmente teatro, simplesmente faz agora mesmo – não percamos essa possibilidade de vista; teatro sem pedras ou tijolos, como já disse Eugênio Barba. Não deixamos de fazê-lo porque não temos o lugar, isso é uma imposição da cultura burguesa, mas a burguesia não é universal. Graças a Deus, existem outras culturas, as populares.

Organização e Articulação:
Não há trabalho vivo sem organização. Assim como o corpo é orgânico, o trabalho (nossa disposição e nossas ações) deve ser vital, isso quer dizer também, urgente. E pra isso é necessário uma certa obediência, responsabilidade, disciplina e ordem. Não obedecer a alguém, mas ser humilde para se responsabilizar pela vida do grupo. Se existe alguma ordem, ela deve ser a de deixar o grupo vivo, forte, saudável. E, também, de fazê-lo viver bem. E para termos uma boa relação um com o outro é preciso mais do que sabermos articular nossos braços e nossas pernas, nossas bocas,... mas estarmos articulados uns com os outros. E, também, saber articular com o espaço se for preciso, com quem está de fora, com quem entra e com quem sai (um corpo a mais, um corpo a menos, faz sempre muita diferença no espaço e para o conjunto). Não julgar, conjugar (jugale é o osso que se articula no maxilar).
Um grupo está realmente em movimento e articulado quando todos os seus membros estão A trabalho, A serviço, A revolução... [eu, particularmente, não acredito em Revolução, porque acredito que tudo que evolui tenha origem. O movimento dessa evolução é, portanto, relativo. Se eu passar para frente, enquanto algo começou a passar para trás, ou se eu passar para trás enquanto algo começou a passar para frente... Pode não ser uma ‘re-volução’, pode ser uma reversão, a solução, a retroação, a conversão, a transgressão, involução (?), enfim... “Uma sociedade não é formada por indivíduos, mas por relações”, disse o Marx... Rosa ao rio...]
É claro que acredito em mudança, em transformação (existe uma música: ‘I like change the world’). Se quisermos podemos mudar, podemos transformar. Na minha opinião, basta acompanhar para percebemos as mudanças, mas, na prática, proponho que todos tenham uma ação e que se responsabilizem por ela. Encaminho a proposta de serem distribuídas tarefas voluntárias para todos que estejam aptos a realizá-las até o término de cada reunião. Pois, assim, mesmo os que não se sentem muito à vontade para falar, que não têm facilidade com o discurso oral, possam estar articulados e desenvolvendo ações no grupo.

Projeto Fomento e Leis Culturais:
Acho que não ouvi bem, mas eu não acredito que um grupo deste vai querer se escravizar para disputar uma vaga com uma multidão de servos dessa subvenção. Imagino que estejam na luta pela ampliação da Lei Municipal e por políticas públicas.
Adiantando um pouco o debate, a Lei é, sim, um grande benefício e surgiu com muita luta, mas assim que surgiu já mostrou sua ineficiência para atender essa grande cidade. Ao escolher 15, exclui 100. Não é uma competição leal, porque não escolhe os mais competentes. Existem, no mínimo, 100 grupos de teatro competentes em São Paulo (uma pesquisa mais detalhada pode revelar isso). A lei deveria então ter 115 vagas, 100 com trabalhos comprovadamente eficazes e 15 que se tornariam capazes através dos resultados da lei. Ou seja, a Lei de Fomento acabou gerando uma grande concorrência entre a categoria teatral (e concorrência é algo sempre desleal com a arte, pois é uma coisa de Mercado). Fome dentro do teatro! Elitização e queda de qualidade.
Suzano e esse Núcleo teatral devem discutir, sim, projetos de leis que lancem programas culturais mais abrangentes, que atendam a mais pessoas. Discutirem as leis atuais, os problemas locais e o atendimento regional do teatro. O sistema de planejamento municipal e os projetos de leis culturais para Suzano.
Bacana pensar a Lei do Fomento, mas acredito que o objetivo desse grupo deva ser, deste já, discutir os problemas dessa Lei. Acho a discussão já bastante avançada e pode ser acompanhada pelo site e movimentos como o da Roda do Fomento.

Bem, é isso.
Atenciosamente,
Daniel.

PS – Ouvi falar que esse grupo existe para que as companhias conheçam melhor seus trabalhos. Achei isso muito bom, porque foi justamente para conhecê-los que fui aí. Deixo, assim, para me apresentar, se houver oportunidade, na próxima reunião. Abraços.

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