sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Pai de BUda


"(...)O rei disse ao Senhor Buda:
‘Queria oferecer-te o meu reino; porém farias tanto caso desta oferta como de um punhado de cinzas.’
O Senhor Buda respondeu-lhe:
‘Sei que o coração do rei transborda de amor, e está profundamente triste por causa de seu filho. Porém os amorosos laços que te ligam ao filho que perdeste, hão de ligar-te com igual bondade a todos os seres, ou em lugar deste filho, receberás outro maior do que Siddartha. Receberás o Buda, o mestre da Verdade, o pregador da Justiça; a paz do nirvana inundará teu coração.’
Suddhodana estremeceu de alegria ao ouvir as palavras suaves de seu filho, e de mãos juntas exclamou com os olhos banhados de lágrimas:
‘Maravilhosa transmutação। Desvaneceu-se-me a dolorosa tristeza. Antes, eu estava pesaroso e meu coração aflito; porém agora colho o fruto de tua magna renúncia. Movido de profunda compaixão, bem fizeste em renunciar as mesquinhas manifestações do régio poder, para cumprir teus nobres propósitos de religiosa devoção. Encontraste a senda e já podes pregar a verdade ao mundo amistoso de libertação.’"

"(...)Os astros rodam e não perguntam. Basta que a vida e a morte, a alegria e a dor subsistam, assim como causa e o efeito, o transcurso do tempo e incessante fluxo e refluxo da existência que é sempre mutável e desliza como um rio, cujas ondas lentas ou rápidas se sucedem umas às outras desde sua longínqua fonte até o mar onde deságuam.
O sol evapora o mar e restitui perdidas ondas em formas de aveludadas nuvens, que gotejarão montanhas abaixo, para refluir de novo, sem paz nem trégua.
Isto basta para se saber quão ilusórios são os céus, as terras, os mundos e as mudanças que o alteram em potentes rodas de lutas e violências, cujo turbilhonante giro ninguém pode deter nem inverter। Não supliqueis, porque as trevas não iluminarão. Nada peçais ao silêncio, porque ele está mudo. Nada espereis dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas. Não pretendais suborná-los com cruentos sacrifícios. Em nós mesmos devemos buscar a libertação. Cada qual cria seu próprio cárcere. Cada qual tem tanto poder quanto os mais potentes. Porque tanto para as Potestades que estão em cima, ao redor, e em baixo de nós, como para toda a carne e toda a vida, a ação engendra o prazer e a dor. Do que foi provém aquilo que é e o que será, melhor ou pior. Podeis elevar vosso destino à maior altura do que o de Indra ou rebaixá-lo mais do que a da larva; o que sobe pode cair; o que cai pode subir. Os raios da roda não param de girar. Ó vós que sofreis! sabeis que sofreis porque quereis. Ninguém vos excita à vida nem nela vos retém condenados à morte, girando sobre a roda e abraçando seus raios de agonia, seu aro de lágrimas, seu cubo de rija madeira."

"(...)Ao seu toque, florescem os rosais e sua mão modela as pétalas de lótus, e no obscuro solo e nas silenciosas sementes, tece o atavio da primavera. Seu pincel colora as luzentes nuvens, e no pescoço do pavão real engasta suas esmeraldas. As estrelas são seu porto, e o relâmpago, o vento e a chuva seus escravos. Constrói nas trevas o coração do homem e na obscuridade do ovo, o faisão de colo multicor, sempre ativo, transmuta a ira e o ódio em amor.
Seus tesouros são os cinzentos ovos no ninho do colibri dourado; as suas hexágonas favas de abelha são suas redomas de mel; a formiga obedece seus mandatos e a branca pomba conhece bem. Solta as azas à águia toda a vez que com pressa volta ao seu ninho; conduz a loba para junto aos seus lobinhos; e encontra sustento e amigos para os seres abandonados.
Nada o repugna, nada o detém. Tudo ama. Enche os seios maternais de doce leite, bem como de mortífero veneno os dentes da serpente.
Concerta no interminável dossel do firmamento a harmoniosa música das móveis esferas; nos abissais seios da terra esconde o ouro, o ônix, a safira e as lazulitas.
Envolto perpetuamente no mistério, oculta-se na espessura dos bosques e alimenta ao pé dos cedros admiráveis rebentos com novas fibras, ervas e flores.
Mata e salva sem outro móbil que o cumprimento do destino। O Amor e a Vida são os fios, e a Morte e a Dor as lançadeiras do seu tear. Faz, desfaz e emenda tudo. Com o que faz, supera o que fez."

"(...)Se aprende a causa da dor e pacientemente a suporta, esforçando-se para pagar as dívidas contraídas por suas culpas passadas, sempre fiel ao Amor e à Verdade; se limpa seu sangue da mentira e concupiscência, e sem prejuízo de outrem sofre tudo mansamente, perdoando as ofensas, pagando o mal com o bem; se dia a dia é compassivo santo, justo, amável e sincero, e extirpa o desejo donde quer que penetre com raízes até extinguir o apego à vida; se agir assim, terminará a conta de tua vida liquidando e saldando seus débitos, e acrescentando e vivificando os créditos recentes ou longínquos, que também produzirão frutífero crédito.
Quem age assim, não precisa do que chamais vida. Realizou seu propósito que o fez ser humano.
Já não o torturará a ansiedade nem o mancharão os pecados, nem os prazeres e dores humanas turvarão sua perpétua paz, nem voltarão a ele mortes e renascimentos। Entra no Nirvana. Uniu-se com a Vida, e no entanto não vive. É feliz porque deixou de existir, porém não deixou de ser."

(KHARISHNANDA, Yogi. O Evangelho de Buda. São Paulo: Pensamento, 1958).

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